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Você permite que os dados do seu celular sejam rastreados? | Celular


O iOS 14.5 trouxe mais um incremento às funções de privacidade do sistema operacional da Apple. A partir de agora, seja no iPhone, iPad ou Apple TV, os aplicativos terão de solicitar permissão para rastrear dados de outros apps ou sites. Ainda que seja bom para o usuário, esta pequena notificação está dando o que falar. Não à toa, a Apple e o Facebook estão em um cabo de guerra desde julho de 2020 devido ao recurso que só entrou em operação em abril de 2021.


Mas quais são os verdadeiros impactos dessa novidade? De que maneira o mercado de publicidade será atingido com a mudança? E a pergunta mais importante: o que os usuários ganham com isso? Vem comigo que eu te explico tudo nas linhas a seguir.

Atualização do iOS 14.5 para iPhone (Imagem: Bruno Gall De Blasi/Tecnoblog)


Atualização do iOS 14.5 para iPhone (Imagem: Bruno Gall De Blasi/Tecnoblog)

O que é esse novo recurso de privacidade do iPhone?

O novo recurso do sistema da Apple, que veio com o iOS 14.5, é conhecido popularmente pela sigla ATT: “App Tracking Transparency”. Já as definições da função aparecem na página “Rastreamento”, que fica dentro do menu “Privacidade” nas configurações do sistema.


Aos olhos dos usuários, a ferramenta corresponde a uma notificação em que o aplicativo solicita permissão para rastrear atividades em apps e sites de outras instâncias. Para receber esses pedidos, o usuário precisa habilitar a opção “Permitir Solicitações” nas definições do sistema. Em seguida, caso um app precise acessar essas informações, um aviso será emitido na tela do dispositivo uma única vez.

Os pedidos de acesso aos dados serão listados nas configurações do sistema, em “Rastreamento”. Nesta página, será possível tanto revogar quanto permitir a coleta de informações a um aplicativo específico. O usuário ainda consegue desabilitar as solicitações ao desativar a opção “Permitir Solicitações”.

“Quando esta opção está desativada, todos os novos pedidos de rastreamento de apps são negados automaticamente”, diz a descrição da função.

Alerta de privacidade do iOS

Alerta de privacidade do iOS (Reprodução/Apple)

O que está por trás dessa simples notificação?

A mudança, no entanto vai muito além de uma simples notificação. Isto porque, a partir do iOS 14.5, iPadOS 14.5 e tvOS 14.5, os aplicativos só poderão rastrear os dados de navegação quando o usuário conceder a permissão. Isto significa que, se a notificação não aparecer porque as solicitações estão desativadas ou a resposta for “não”, o desenvolvedor que precisa dessas informações terá uma má notícia.

Mas, antes de qualquer coisa, o que significa rastreamento de dados? Para a Apple, trata-se do ato de vincular os dados do usuário ou dispositivo coletados por um app às informações de outras origens para publicidade direcionada ou medição de publicidade. “Rastreamento também se refere ao compartilhamento de dados do usuário ou dispositivo com corretores de dados [data brokers, em inglês]”, explicaram.

Estes dados podem ser alcançados com o auxílio de um código chamado “Identifier for Advertisers” (IDFA). Trata-se de um identificador para publicidade, como o nome sugere, utilizado para o rastreamento e que fica atrelado ao dispositivo. E é aí que o ATT entra em cena: se não houver permissão, este código não será revelado ao solicitante.

A Apple dá mais explicações sobre a mudança em uma página aos desenvolvedores. Segundo a companhia, técnicas, como fingerprint, também não podem ser utilizadas para coletar estes dados. Além disso, o consentimento deve ser dado mesmo que o monitoramento aconteça em uma página da web dentro do app (webview).

Cabe lembrar que os usuários já conseguiam limitar o acesso ao IDFA anteriormente. Também no menu “Privacidade”, existe a página “Publicidade da Apple”, onde é possível desativar os anúncios personalizados. Mas, agora, é preciso dar permissão antes de qualquer rastreamento acontecer.

Dados - Oracle

Mais controle e mais transparência ao usuário

Quando questionado sobre como o recurso pode contribuir para a privacidade dos usuários, o coordenador da área de Direito e Tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Christian Perrone, levantou duas questões sobre a novidade.

A primeira tem a ver com a mudança do comportamento padrão. Para ele, a partir do momento em que os usuários podem escolher se desejam ou não compartilhar suas informações, isto acaba diminuindo a quantidade de dados à disposição das empresas.

“Digamos assim, o fato de o iOS colocar isso como default, ou seja, algo que você apresenta desde o início, faz com que as pessoas se deem conta do que está acontecendo”, disse ao Tecnoblog.

Perrone ainda destaca que a função altera a maneira como os dados externos são coletados, e não de dentro do aplicativo em si. “Por exemplo, dentro do Facebook, você vai continuar compartilhando uma série de dados”, afirmou. Ou seja: as plataformas continuarão a ter acesso às informações que são inseridas pelos usuários dentro dos apps em si, mas não de outras instâncias.

A segunda questão abordada pelo coordenador do ITS tem a ver com a transparência. Ele observa que existe uma certa percepção por parte das pessoas de que só há compartilhamento de dados dentro do aplicativo. Existe, ainda, um desconhecimento de uma parte significativa da população de que outros tipos dados são compartilhados, como o modelo do celular utilizado, o tempo de uso e afins.

“É uma questão de dar maior transparência desse compartilhamento, e, de alguma forma, fazer com que as pessoas tenham mais controle”, explicou. “Não é porque elas não tinham, necessariamente, antes, outras ferramentas. Mas é uma ferramenta mais ágil e mais ampla nesse sentido”.

Por outro lado, o recurso pode alterar a forma como a publicidade é direcionada aos usuários. Ainda que veja a mudança como positiva ao consumidor final, o consultor em marketing digital, Fernando Kanarski, observa que os anúncios tendem a se tornar mais genéricos devido à falta de personalização.

“Para o consumidor, a princípio, é bom, porque ele não está sendo monitorado”, relatou. “Só que do ponto de vista de publicidade, ele vai ver cada vez menos publicidade personalizada, e talvez fique chateado porque vai ver anúncios completamente nada a ver com o universo dele”.

Celular na mão

Celular na mão Imagem: Gilles Lambert/Unsplash)

O lado do mercado publicitário

Mas e o que acontece ao outro lado da história? Kanarski também levanta duas questões sobre o assunto. Em primeiro lugar, ele fala sobre as empresas que desenvolvem aplicativos gratuitos para ganhar dinheiro em cima de conteúdo, de dados de usuários ou para conseguir usuários. Em sua percepção, essas pessoas vão ser bastante impactadas porque não vão mais conseguir rastrear os usuários.

Do ponto de vista dos anunciantes, o consultor nota que o anunciante pequeno deve ser o mais impactado por esta mudança, pois ele não vai mais conseguir capturar muita informação. “Consequentemente, ele vai sofrer muito mais com a segmentação de suas campanhas, com a personalização de suas campanhas”, explicou.

Segundo Kanarski, alguns de seus clientes menores já estão sofrendo em relação à mudança. O consultor explica que este grupo depende da segmentação do Facebook e de personalização de usuários para fazer remarketing. Dessa forma, esses clientes já não conseguem personalizar tanto os anúncios como antes.

“A gente já percebe que tem anúncios muito mais dispersos”, disse. “Hoje eu não consigo focar exatamente em um usuário específico. Infelizmente, a ferramenta começa a dispersar porque ela já não conhece mais muitas informações dos usuários”.

As empresas maiores, por outro lado, buscam outros caminhos. A fim de driblar as mudanças da Apple, tanto o Google quanto o Facebook estão começando a utilizar cada vez mais inteligência artificial para tentar entender quem é o seu usuário.

Este método, no entanto, precisa de um grande volume de dados para que o computador processe melhor as informações. Dessa forma, um anunciante muito grande tende a ter um número maior de pessoas acessando seus sites, anúncios e afins, o que pode ajudá-lo nesse processo.

“Acho que o grande impacto é esse: quem ganha dinheiro com conteúdo, com aplicativos de graça, vai sofrer muito; quem é grande talvez não sofra tanto, por conta dessa questão de inteligência e outras mídias”, concluiu. “Agora, o anunciante pequeno talvez tenha um impacto bem grande”.

Perrone acompanha o raciocínio do consultor. Ele observa que, para empresas que vivem de propaganda direcionada, a mudança do comportamento padrão tende a resultar em uma situação complexa para elas. “Pode ser que você tenha uma dificuldade maior para ter essa propaganda direcionada mais específica”, afirmou.

Android 12 avisa se microfone ou câmera estão sendo usados (Imagem: Divulgação / Google)

Android 12 avisa se microfone ou câmera estão sendo usados (Imagem: Divulgação / Google)

As alternativas ao mercado publicitário

O coordenador do ITS também acredita que vai existir a necessidade de se encontrar outros meios que não dependam desse processo, o que pode acabar favorecendo algumas empresas. Um dos exemplos é o FLoC, solução do Google que busca ser uma alternativa aos cookies de terceiros. Mas a tecnologia enfrenta algumas resistências, como é o caso da Microsoft, que não vai adotar o recurso em seu navegador.

O Google também já vem se preparando há bastante tempo a um mundo sem o rastreamento de dados, conforme observou Kanarski.

“O Google, há alguns anos, já vem pensando muito mais em inteligência artificial, coleta de dados de uma forma um pouco menos intrusiva, e preparando justamente a sua rede de parceiros, a sua rede de publicidade, para não depender tanto de cookies, para não depender tanto de personalização”, explicou.

O consultor ainda contou que ao Tecnoblog que o mercado vem buscando o uso de métricas a partir de interações dentro das plataformas. Seria o caso do Google, já que a empresa é capaz de construir listas de personalização a partir de um vídeo assistido no YouTube, por exemplo.

Kanarski desconhece outras ferramentas externas que sejam utilizadas para este fim. “Até porque a perseguição é justamente contra ferramentas externas que estão capturando dados e personalizando”, disse. “O que o mercado tem feito é: usado o máximo possível de recursos nativos de cada ferramenta para personalizar as publicidades dentro daquela ferramenta”.

Outras empresas ainda podem seguir o caminho da Apple no futuro. O Google, por exemplo, focou bastante em privacidade no Google I/O 2021. Durante o evento, a companhia tornou mais fácil o processo para apagar buscas recentes. Além disso, o Android 12 foi anunciado com um novo Painel de Privacidade, um indicador para dizer se um app está usando a câmera ou microfone (como o iOS 14) e mais.

Seguindo os passos da Apple, o Google também vai dificultar o rastreio de usuários entre aplicativos no Android.

Mark Zuckerberg, CEO do Facebook (Imagem: Anthony Quintano/Flickr)

Mark Zuckerberg, CEO do Facebook (Imagem: Anthony Quintano/Flickr)

Facebook critica novo recurso do iOS 14

Ainda que a novidade seja bem-vinda aos usuários, o mesmo não pode ser dito ao Facebook. Em julho de 2020, o diretor financeiro da rede social disse que o iOS 14 poderia ter impacto negativo em anúncios. Pelas previsões da companhia reveladas no mês seguinte, o faturamento da Audience Network seria derrubado em mais de 50%.

No conflito entre as duas empresas, a rede social chegou até a criar uma campanha contra a fabricante do iPhone que critica indiretamente a nova função de privacidade do iOS 14. O episódio aconteceu em fevereiro de 2021. Depois, em abril, os apps do Facebook e Instagram começaram a solicitar a permissão para rastrear os dados de outros apps e sites para manter a gratuidade dos serviços.

Para Kanarski, ao contrário do Google, que decidiu “correr atrás”, o Facebook resolveu se queixar e buscar alguma solução jurídica. Ele explica que a rede social precisa de muito mais personalização. “Talvez por isso que ele tenha reclamado muito”, complementou. “O Facebook é muito baseado em pessoas e nas ações das pessoas. E talvez essa ação da Apple fez com que eles fossem meios que pegos de surpresa”.

“Não acho que seja a linha mais correta, porque, para o anunciante, a gente só quer anunciar”, acrescentou. “A gente só quer chegar na pessoa certa do jeito mais fácil possível. Se isso vai ser via inteligência artificial, se vai ser via coleta de dados, para a gente, não interessa”.

Fonte: Tecnoblog


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